É possível demonstrar a existência de Deus?
- Existem dois tipos de demonstração:
1. Pela causa (propter quid): parte do que é anterior de modo absoluto.
2. Pelos efeitos (quia): parte do que é anterior para nós. Sempre que um efeito é mais manifesto do que sua causa, recorremos a ele para conhecer a causa.
- Ora, por qualquer efeito podemos demonstrar a existência de sua causa, porque, como os efeitos dependem da causa, estabelecida a existência do efeito segue-se necessariamente a preexistência de sua causa.
- Logo, se a existência de Deus não é evidente para nós (ver Parte 1 – Questão 2 – Artigo 1), pode ser demonstrada pelos efeitos por nós conhecidos.
É possível demonstrar a existência de Deus?
QUANTO AO SEGUNDO ARTIGO, ASSIM SE PROCEDE: Parece que não é possível demonstrar a existência de Deus.
1. Pois, tal existência é artigo de fé. Ora, as coisas da fé não são demonstráveis, porque a demonstração dá a ciência, e a fé é própria do que não é aparente, como se vê no Apóstolo (Heb. 11,1). Logo, a existência de Deus não é demonstrável.
2. Ademais – O termo médio da demonstração é a qüididade. Ora, não podemos saber o que é Deus, como diz Damasceno. Logo, não lhe podemos demonstrar a existência.
3. Ademais – Se se demonstrasse a existência de Deus, só poderia sê-lo pelos seus efeitos. Ora, sendo Deus infinito e estes, finitos, e não havendo proporção entre o finito e o infinito, os efeitos não lhe são proporcionados. E, como a causa se não pode demonstrar pelo efeito, que não lhe é proporcionado, conclui-se que não se pode demonstrar a existência de Deus.
EM SENTIDO CONTRÁRIO, diz a Escritura (Rm. 1, 20): As coisas invisíveis de Deus se vêem depois da criação do mundo, consideradas pelas obras que foram feitas. Ora, isto não se daria, se a existência de Deus não se pudesse demonstrar pelas coisas feitas, pois o que primeiro se deve conhecer de um ser é se existe.
RESPONDO. Há duas espécies de demonstração. Uma, pela causa, pelo porquê das coisas (propter quid), a qual se apóia simplesmente nas causas primeiras. Outra, pelo efeito, que é chamada quia, embora se baseie no que é primeiro para nós; quando um efeito nos é mais manifesto que a sua causa, por ele chegamos ao conhecimento desta. Ora, podemos demonstrar a existência da causa própria de um efeito, sempre que este nos é mais conhecido que aquela; porque, dependendo os efeitos da causa, a existência deles supõe, necessariamente, a preexistência desta. Por onde, não nos sendo evidente, a existência de Deus é demonstrável pelos efeitos que conhecemos.
QUANTO AO 1º, portanto, deve-se dizer que a existência de Deus e outras noções semelhantes que, pela razão natural, podem ser conhecidas de Deus, não são artigos de fé, como diz a Escritura (Rm. 1,19), mas preâmbulos a eles; pois, como a fé pressupõe o conhecimento natural, a graça pressupõe a natureza, e a perfeição, o perfectível. Nada, entretanto, impede ser aquilo, que em si é demonstrável e cognoscível, aceito como crível por alguém que não compreende a demonstração.
QUANTO AO 2º, deve-se dizer que quando se demonstra a causa pelo efeito, é necessário empregar este em lugar da definição daquela, cuja existência se vai provar: e isto sobretudo se dá em relação a Deus. Pois, para provar a existência de alguma coisa, é necessário tomar como termo médio o que significa o nome e não o que a coisa é, porque a questão – o que é – segue-se à outra – se é. Ora, os nomes a Deus se impõem pelos efeitos, como depois se mostrará; donde, demonstrando a existência de Deus, pelo efeito, podemos tomar como termo médio a significação do nome de Deus.
QUANTO AO 3º, deve-se afirmar que efeitos não proporcionados à causa não levam a um conhecimento perfeito dela; todavia, por qualquer efeito nos pode ser, manifestamente, demonstrada a existência da causa, como se disse. E assim, pelos seus efeitos, pode ser demonstrada a existência de Deus, embora por eles não possamos perfeitamente conhecê-lo na sua essência.
NOTA:
A causa é anterior a seu efeito na ordem do ser, e é ela que o faz existir como tal. Em conseqüência, quando podemos demonstrar o efeito a partir da causa, não somente sabemos que ele existe e que é de tal modo, mas sabemos por que (e o mesmo ocorre quando demonstramos a propriedade a partir da essência conhecida pela definição): é a demonstração propter quid.
Quando somos obrigados a partir do efeito (porque a causa não é diretamente conhecida), podemos demonstrar somente que a causa existe (quia est), e se partimos das propriedades podemos alcançar não uma definição propriamente dita da essência, mas uma descrição que faz conhecê-la como a fonte oculta das propriedades: sabemos da causa, ou da essência, que ela é, mas não o que ela é: é a demonstração quia.
(Suma Teológica, Parte 1, Questão 2, Artigo 2)